“A assistência sofre quando a solidariedade sai de cena”. A declaração foi dada pela professora Maria do Carmo de Lacerda Peixoto, da Faculdade de Educação da UFMG, à revista Fump 80 anos. Ela se referia ao fato de que não só o Estado mas também a sociedade civil poderia participar mais ativamente das questões que envolvem a assistência estudantil.

Essa perspectiva tende a se tornar realidade com iniciativas como a do professor da UFMG Romeu Cardoso Guimarães, que propôs apadrinhar um estudante assistido pela Fump com uma contribuição mensal de R$ 300,00. O gesto solidário do docente motivou a Instituição a criar o Programa Bolsa Apadrinhamento. A bolsa, concedida pelo professor, foi denominada Miguel Fernandes Guimarães, uma homenagem ao seu pai.

O programa, que recebe doações de pessoas físicas e jurídicas, é direcionado a estudantes de primeira graduação classificados no nível I e que tenham mérito por rendimento acadêmico, conforme análise do último Rendimento Semestral Global (RSG) disponibilizado pelo Departamento de Registro e Controle Acadêmico (DRCA). O estudante selecionado recebe uma bolsa de R$ 300,00 pelo período de um semestre.

“A bolsa possibilita ao estudante um auxílio financeiro complementar à sua manutenção no curso e visa amenizar as dificuldades financeiras, contribuindo para o cumprimento do percurso acadêmico com qualidade”, ressalta a gerente de Programas da Assistência da Fump, Solange Gomes de Araújo Braz.

Solange lembra que, para desenvolver os programas de assistência estudantil da UFMG, a Fump conta com recursos próprios, repasses do governo federal e o apoio da sociedade civil. “Esse apoio agrega força e legitimidade à política institucional que, alinhadas às ações já desenvolvidas, promovem resultados que tendem a ser mais efetivos e sustentáveis”, pontua.

“Agradecemos a contribuição do professor Romeu e ressaltamos a importância de sua responsabilidade social ao participar da política de desenvolvimento da assistência estudantil contribuindo com o futuro profissional dos alunos de baixa condição socioeconômica da UFMG, que muitas vezes acessam a universidade gratuita mas não têm condições de nela permanecer. Essa iniciativa o torna precursor do programa e parceiro da Fump no cumprimento de sua missão”, finaliza a gerente.

Entrevista

“Minha percepção do dever de contribuir para a sociedade sempre foi forte”

É o que revela o professor Romeu Cardoso Guimarães nesta entrevista. Ele também comenta a importância de contribuir para a política de assistência estudantil da UFMG. Formado em Medicina na UFMG na década de 1960, logo após tornou-se docente em Patologia. Dedicou parte significativa de sua carreira aos estudos sobre genética, tendo cursado pós-doutorado nos EUA em biologia molecular, na época dos primórdios da tecnologia de engenharia genética e da explosão dos estudos de retrovírus. No final de 2008, aposentou-se mas continua trabalhando com estudos e pesquisa no Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular (LBEM) do Departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Confira a entrevista:

Como surgiu a ideia de apadrinhar um estudante?

Minha percepção do dever de contribuir para a sociedade sempre foi forte, a partir do período em que em minhas memórias ficaram registradas com clareza, ao tempo de estudante na Faculdade de Medicina da UFMG, na primeira metade da década de 1960. Acho que as influências maiores foram decorrentes da convivência com colegas da JUC (Juventude Universitária Católica).
A porção religiosa não me impregnou, mas a politizadora foi altamente benéfica. É claro também que tais influências incidiram sobre terreno fértil, moldado na vivência familiar. Posso referir esse preparo principalmente a meu pai, Miguel Fernandes Guimarães. Era pessoa de origem humilde mas forte e batalhador, para sustentar e formar sua família e para ajudar o próximo. Suas metas eram bem definidas: construir uma casa para cada filho e ter todos bem estudados e formados. Aprendi muito com toda essa vivência, especialmente a respeitar os humildes. Sucedeu a esse período formador o de afirmação profissional, como docente universitário em dedicação exclusiva.
Essa contribuição material à Fump, com somente uma bolsa, é o mínimo que pensei em fazer. Espero poder fazer mais e estarei atento a outras possibilidades. Como beneficiária, escolhi a própria instituição – a universidade pública – que me formou e que sempre me pagou.
Minha família preparou as bases, a universidade me deu muito, não passei por dificuldades, agora inicio processo de retornar a ela alguma contribuição espontânea. A função da universidade é formar pessoas e a bolsa deve ir diretamente para pessoas em formação.

Por que o senhor escolheu a Fump para formalizar sua doação?

Não conheço detalhes de todo o complexo Fump, mas tenho boa impressão. Obtive até uma experiência pessoal frutífera. Um rapaz necessitado e merecedor, que ajudei no início de seus estudos na UFMG, foi beneficiado também pela Fump, até o final de seu curso. A Instituição é séria. Imagino que seus custos de funcionamento sejam pequenos em relação aos benefícios que proporciona.
Atividades assistenciais são, com frequência, criticadas no contexto do capitalismo atual, baseando-se no argumento de que estariam estimulando o pequeno esforço e a ‘preguiça’. No entanto, já vêm sendo acumulados dados sobre o bom desempenho dos assistidos e seria interessante que a Fump pudesse enriquecer o debate com seus próprios dados.
Para o doador, acrescenta-se a facilidade de não ter que se envolver com muito trabalho e dedicação pessoal. A equipe da Fundação se encarrega de realizar o trabalho.

Um dos principais pré-requisitos de seleção do bolsista é o desempenho acadêmico. Qual a sua opinião sobre esse critério?

Acho que os critérios de necessidade e de dedicação são os mais importantes. A necessidade é o fundamental. A dedicação é o próximo, mas entendo que deve ser de avaliação difícil.
Não sei bem se o desempenho acadêmico pode ser aplicado no sentido maximizador. O melhor seria exigir desempenho acima de um limiar aceitável. Pela minha experiência, como aluno e ao longo da carreira docente, observei que os melhores desempenhos se correlacionam mais com os sucessos profissionais. Por outro lado, o sucesso e o bom desempenho profissional, em sentido mais amplo e mais generalizadamente para o conjunto global das diversas profissões, podem se correlacionar mais com os bons desempenhos acadêmicos (por exemplo, acima da média), mas não necessariamente os melhores.

O senhor acredita que sua atitude pode incentivar mais pessoas a apadrinharem um estudante?

Espero que sim, mas esse programa é somente mais uma opção oferecida aos doadores. Entendo que a Fump desenvolve um processo, composto por um leque amplo de possibilidades ofertadas, ao mesmo tempo em que as avalia e atualiza continuamente. Imagino que deve haver potenciais doadores com diferentes perfis de preferências e possibilidades. Sugiro que a própria Fump divulgue balanços amplos no sentido de demonstrar sua eficiência na aplicação dos recursos em relação aos seus custos institucionais e operacionais, a fim de estimular mais doações.

Quem foi Miguel Fernandes Guimarães

Miguel Fernandes Guimarães nasceu em 2 de julho de 1903 entre as vilas de Padilha e Cercado de Pitangui, hoje município de Nova Serrana. Sua formação era de carpinteiro rural mas tornou-se construtor em Belo Horizonte logo após o casamento com Anita Cardoso Guimarães, hoje com 101 anos. Tiveram 8 filhos, entre eles o professor Romeu Cardoso Guimarães. Miguel Fernandes faleceu em 1986.